Granta em língua portuguesa , 13

Culpa

Mexia, Pedro (1972-) (dir.)

A literatura e as artes, sejam cristãs, agnósticas ou ateias, não ignoram a culpa. Raskólnikov, inventado pelo cristão Dostoievski, Meursault, personagem do agnóstico Camus, e o oftalmologista Judah Rosenthal, protagonista de um filme do ateu Woody Allen, não são figuras inverosímeis; estão ligadas a actos legalmente puníveis, mas também a conceitos abstractos como a retribuição moral. Meursault, encadeado pelo sol, matou um árabe, e Raskólnikov, uma usurária. Circunstâncias atenuantes? Dificilmente. O que está em causa é saber se o mal que fazemos tem uma dimensão ética, independentemente do que se conclua num julgamento. O Dr. Rosenthal de Allen é, nesse aspecto, o caso mais categórico: ele sente culpa por ter mandado matar a amante (sem sequer reconhecer que fez isso), mas em pouco tempo essa culpa transforma?se em angústia filosófica; ninguém descobre quem foi o mandante, de modo que ele tem duas culpas: mandou matar uma pessoa e provou, mesmo sem querer, que não há justiça no mundo.