Uma só palavra

Liberal, Joana

«Uma só palavra», a peça original a que o presente volume dá pela primeira vez forma pública, constitui uma surpreendente criação dramatúrgica onde a ficção cénica se alimenta da memória histórica, transfigurando-a, graças ao gesto da escrita inventiva. Uma escrita que se ensaia a si mesma, com lúcido e lúdico vigor, em que drama e prosaísmo se articulam tão habilmente, e na qual emerge o traço de identidade de uma voz autoral animada por paixões reconhecíveis, convergentes, e sinérgicas. Paixões que descobrem os seus alvos de eleição reunidos nos recursos múltiplos e desafiadores do teatro: no fôlego de uma narrativa que se encena, fruindo o prazer de palavras para serem ditas e habitadas, dando vida a figuras cronologicamente separadas de nós no tempo, mas próximas na humanidade que partilham connosco; na tentativa de interrogar os labirintos que cruzam a criação estética, a vertigem da crença, e a experiência transformativa do encontro com o outro, enquanto dádiva vivida;a paixão ainda por lugares, como esta Roma milenar por onde deambulam portugueses de outrora, carregada com a ignição que moldou o rosto secular e paradoxal de uma Europa a que também pertencemos. Trata-se da estreia em livro de uma dramaturga portuguesa, e se é evidente que a destinação primeira a última de uma peça teatral é ser realizada na cena por criadores intérpretes que com ela se sintonizam, para manifestar o teatro potencial que transporta consigo, não é menos verdade que as páginas do livro podem ser veículos para que essa cumplicidade aconteça, para além de permitirem que cada leitor seja espectador das suas próprias e virtuais encenações, mentalmente forjadas pela imaginação em movimento perpétuo.